Você entra no mestrado feliz da vida porque agora só vai estudar o que der na telha, só vai ler o que tiver a ver com seu projeto e por aí vai. Grande engano, porque em qualquer disciplina você vai ter que ler um texto daquele autor cafona que você detesta. E é sempre assim, não tem pra onde fugir.
Foi exatamente com esse receio que eu ingressei em uma disciplina sobre as relações entre a literatura francesa e a brasileira. Mas, apesar do cagaço, o que aconteceu foi justamente o contrário: acabei tendo contato com alguns autores que eu gostei mais do que eu previa. Pierre Rivas foi um deles.
Eu só li um livro dele: o
Diálogos interculturais. E mesmo assim nem li todo – só os capítulos que a professora mandou. E achei bem bacana, principalmente o capítulo “Fortuna e infortúnio de Jorge Amado”, em que ele compara a recepção da obra do baiano no mercado e nos meios acadêmicos. Não vou entrar no mérito de como a academia recebe determinados autores – acho que já critiquei bastante a caretice dentro dos cânones literários numa
entrevista que eu dei pro blog da Ucam. É que uma frase desse texto me despertou uma nova leitura do romance
Capitães da Areia, do Jorjamado.
Rivas diz que no romance de Jorjamado, de uma forma geral, o povo não é uma categoria marxista, mas um “conceito
écran”, ou seja, uma tela em branco onde um elemento externo pode projetar o que quiser ali. E é mais ou menos isso que se verifica no
Capitães da Areia.
Para quem não leu, o livro conta a história de um grupo de meninos de rua em Salvador. Eles praticam pequenos crimes, conquistam mulheres, jogam capoeira. Mas é muito interessante a relação dos pequenos com a política.
Pedro Bala, líder dos
Capitães, é filho de um grevista. Parece que, mesmo sem ter consciência de qual seria sua vinculação ideológica, sabia que teria que entrar “na luta” – seja ela qual fosse.
- A bondade não basta.
- Só o ódio...
- Nem o ódio, nem a bondade. Só a luta...
Estamos falando de menores de 15 anos de idade que nunca foram à escola. Mas são jovens que se revoltam diante da injustiça e da miséria em que vivem. Nunca haviam trabalhado, mas não se furtaram de participar do “espetáculo da greve” – greve esta que é classificada como “a festa dos pobres” por um estudante (leia-se: um camarada que não raro não trabalha, mas defende fervorosamente o direito dos trabalhadores). E, considerando que “a greve é a festa dos pobres” e “os pobre é tudo companheiro”, Pedro Bala e os
Capitães entram no movimento grevista – mesmo sem saber com precisão o que significa tudo aquilo.
Dei essa volta toda para falar o seguinte: é mais ou menos assim que eu vejo o movimento estudantil hoje. Claro que há aqueles camaradas que pegam o jornal todo dia para saber o que está acontecendo, estuda a situação toda e tal. Mas, de uma forma geral, vejo uma meia dúzia de
cabeças brilhantes comandando uma quantidade bem maior de teleguiados, que vão às passeatas, às manifestações, gritam palavras de ordem, repetem discursos mais ou menos fáceis sem saber explicar direitinho contra o quê estão protestando. Quase um conceito
écran – os
capas (como as lideranças são chamadas no movimento estudantil) projetam nos militantes de base (coitados...) o que querem e ali fica gravada aquela imagem.
Não estou defendendo que o movimento estudantil acabe, nem sou contra as organizações estudantis, como alguns podem pensar. Apenas gostaria que essa galera se questionasse mais e obedecesse menos.
Encerro esse post com uma frase do próprio
Capitães da Areia que traduz, em algumas palavras, porque acredito que os estudantes ainda têm alguma força, mesmo com toda crítica que eu faço ao movimento estudantil:
“Mas dentro do seu peito vem uma marca do amor à liberdade.”