quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Capitães sim, com muito orgulho

ATENÇÃO: esse post é cheio de spoilers. Se você não leu o livro Capitães da Areia, de Jorge Amado, e/ou não viu o filme, não leia se não quiser saber partes da história. Estou aqui para contar a minha opinião sobre a adaptação cinematográfica e posso acabar estragando a brincadeira de um de vocês sem querer.

Advertência dada, vamos ao que interessa. Já falei duas vezes sobre esse livro do Jorjamado. Primeiro sobre o cunho político do romance. Segundo sobre o trailer. Agora vamos ao filme propriamente dito.

O filme é sensacional. A diretora Cecília Amado consegue resolver muito bem os vários obstáculos de uma adaptação cinematográfica e apresenta um trabalho final brilhante. O fato de só haver atores desconhecidos no elenco não deixa nada a desejar. A fotografia também é belíssima, tornando as ruas de Salvador um personagem a mais na história. Só observei um problema na adaptação: a diretora pega leve demais.

O filme é de uma leveza sem igual. (Algumas pessoas que saíram comigo do cinema acharam o filme meio lento; eu discordei.) A violência é atenuada, os conflitos são atenuados, a tristeza é atenuada, o ódio é atenuado, tudo é atenuado. Até demais.

Há quem diga: “nossa, mas no filme tem cenas bastante agressivas”. No livro essa agressividade é bem maior.

Pedro Bala (Jean Luis Amorim) – o líder dos Capitães – termina o filme como o herói, o grande líder, o bonzão. Mas não é bem assim. Em um determinado trecho do livro, ele estupra – isso mesmo: estupra – uma menina na praia. Mas ele não é de todo mau: sabendo que a garota era virgem, ele promete que fará apenas sexo anal, “preservando” a virgindade dela. Terminado o ato sexual forçado, Bala deixa a menina ir embora. A despedida dela?

"- Peste, fome e guerra te acompanha, desgraçado. Deus te castiga, desgraçado. Filho de uma mãe, desgraçado, desgraçado."

Mas ele se arrepende pela “pobre negrinha, uma criança também”. Só que nada disso aparece no filme. Só não sei se a diretora julgou esse episódio irrelevante para a trama ou se apenas se acovardou, com medo de que o filme gerasse polêmica e isso prejudicasse o desempenho comercial da obra.

O desfecho do filme é permeado por dois extremos. Se por um lado ela consegue narrar em alguns minutos o desfecho de cada um dos personagens, o destino de Sem-Pernas (Israel Gouvêa) – um dos Capitães, que tem esse nome por ser coxo – é atenuado. Sem-Pernas, que é um dos meninos que mais tem ódio no coração, foi torturado pela polícia enquanto ainda era bem pequeno. No livro, ele termina sendo perseguido pela polícia pelas ruas de Salvador.

"Muita gente o tinha odiado. E ele odiara a todos. Apanhara na polícia, um homem ria quando o surravam. Para ele é esse homem que corre em sua perseguição na figura dos guardas. Se o levarem, o homem rirá de novo. Não o levarão."

Sem-Pernas fica encurralado e se joga de um precipício. Suicídio. “Se arrebenta na montanha qual um trapezista de circo que não tivesse alcançado o outro trapézio”. Triste fim de um menino de rua coxo e faminto. No filme, apenas aparece o Professor (Robério Lima) e Zé Fuina (Felipe Duarte) especulando sobre o futuro do grupo e dizendo que Sem-Pernas possivelmente irá para o circo e será trapezista - em uma referência clara ao suicídio do personagem. Bem mais light, entretanto, que a versão original.

No todo, como eu disse inicialmente, o saldo do filme é bastante positivo. As cenas de capoeira são bem coreografadas e o roteiro não apresenta falhas. Motivo de orgulho para o cinema nacional.

Para quem se interessou, segue o trailer:



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