domingo, 4 de dezembro de 2011

Um murro na boca do estômago

Fiquei um tempo sem postar nada por aqui – sabe como é, né?, a correria do dia a dia, a vontade de relaxar nos fins de semana, a dedicação ao meu próximo livro (isso mesmo, estou escrevendo mais um!), tudo isso somado acabou me afastando um pouco do blog. Mas ontem surgiu algo que me fez separar um tempinho para sentar na frente do computador e escrever.

Estava eu num bar com um coleguinha falando amenidades. Fechamento de jornal, cinema, furos, TV, literatura e... Espera aí! Você não conhece João Gilberto Noll?!

Não, ele não conhecia João Gilberto Noll. Como muita gente infelizmente não conhece. Como eu mesmo não conhecia até meados de 2009.

Entrei em contato com a obra do Noll no Mestrado. Eu fazia uma disciplina sobre alegorias, melancolia e abjeção. No final do semestre eu teria que fazer uma monografia sobre algum romance que pudesse aplicar um desses conceitos. Ainda meio perdido, pedi ajuda a um professor amigo meu e ele me sugeriu pegar algum romance do Noll. Fiquei com medo de escolher um autor cuja obra eu ainda não conhecia para analisar um livro dele isoladamente. Fiz meu trabalho final sobre o Os Deuses Subterrâneos, do Cristovam Buarque, que acabou virando um capítulo do meu livro. E acabei adiando a minha primeira vez com o Noll.

No semestre seguinte eu não tive escapatória. Fazendo uma disciplina chamada Ficções do Desassossego não tive como adiar mais meu encontro com o Noll: a professora pediu logo nas primeiras semanas que lêssemos um livro dele para a semana seguinte. Daí conheci Lorde.

O livro já é meio chocante pela própria capa. Não se sabe se é um ombro masculino ou um homem de quatro. O texto é bastante desarrumado: há uma pontuação própria, um fluxo de pensamento único que segue da primeira à última página. Lorde conta a história de um escritor latino-americano perdido em Londres. A dúvida permeia toda a narrativa. O trajeto é o fim em si. Um personagem errante que perturba o leitor com frases e imagens fortes a todo o momento. Gostei.

Meses depois, ganhei do meu irmão outro livro do Noll que me fez ficar apaixonado por este escritor que eu infelizmente conheço pouco até hoje. Trata-se de A fúria do corpo.

O livro é de 1981 e mostra toda a coragem e ousadia de um escritor que não teve medo de, naquela época, mostrar todo o potencial da imundice humana. Caralhos, bocetas, lixo, drogas, porra, merda, putas, bixas. Tudo isso envolto na atmosfera sombria de uma Copacabana que deixava de ser a princesinha para se tornar a puta.

Um personagem sem nome (“o meu nome não. Vivo nas ruas ode um tempo onde dar o nome é fornecer suspeita”: começa assim mesmo o romance, sem letra maiúscula na inicial) e uma mulher que atende pela alcunha de Afrodite. Ele: sem teto, sem comida, sem rumo. Ela: garota de programa. Os dois: apaixonados.


 
Como é comum na obra do Noll, o texto é todo não-linear, com uma pontuação peculiar, parágrafos que se estendem por páginas e páginas, nada de muita novidade em relação ao anterior. O que chama a atenção é a violência com que as palavras atingem o leitor. Parece que a ferocidade dos personagens atinge a todos indiscriminadamente. São frases fortes, não raro com um cunho político bastante contundente. “ Sabe que nós dois não comemos há dois dias e meio e que assim mesmo há um Governo sobre nossas cabeças?”, diz o personagem-narrador para Afrodite em um determinado momento. “Por todos os cantos das ruas homens e mulheres mijam sem se preocupar com esconder cacetas e xotas. Enfim, é Carnaval. O Rio mija o que a Brahma supre enquanto vem aí a banda da Miguel Lemos”, descreve, em outro contexto.

Há quem possa perguntar porque ler um livro tão contundente com tamanha agressividade. Respondo: todo mundo precisa de um murro no estômago vez ou outra para se sentir humano. E encerro com mais uma passagem deste romance:

“E se morto reconheço a exatidão de tudo, não é preciso pranto sobre a desintegração da carne. Sou morto sim. Mas vivo ainda, como a fruta que se transforma num viveiro de bichinhos e vai expelindo aí o derradeiro furor da vida na sua carne mortuária.”

2 comentários:

  1. Não conhecia esse escritor, mas desconfio que para lê-lo, teria que estar num astral muito bom, senão ia cair em depressão... rsrs
    Como vai o novo livro?

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  2. Po, o Noll não deprime, exatamente - só choca um pouquinho, rs. O novo livro vai bem, o primeiro capítulo está quase pronto já! Só falta pesquisar uns detalhes pra arrematar! :)

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